Início Opinião Coluna GOLPE DE 64: COMEMORAR O QUÊ? O GOLPE EM ANDAMENTO?

GOLPE DE 64: COMEMORAR O QUÊ? O GOLPE EM ANDAMENTO? 301769

José Domingues de Godoi Filho* 5s3u6w

“Fardas e força
Forjam as armações
Farsas e jogos
Armas de fogo
Um corte exposto
Em seu rosto amor

……………………………….
O caso Morel, o crime da mala
Coroa-Brastel, o escândalo das joias
E o contrabando
Um bando de gente importante envolvida.”

(Alvorada Voraz, letra da versão 1985, RPM)

Em 31 de março de 1964, ocorreu um golpe empresarial-civil-militar, que inaugurou um dos períodos mais terríveis e repugnantes da história brasileira. Num momento que o Brasil vive um de seus maiores descalabros sanitários, com mais de 300 mil mortos e caminhando para atingir 4 mil mortos/dia pela Covid-19, somos obrigados a retomar essa discussão, para defender a democracia, frente a reiterada insistência do Governo Federal, desde sua posse, em promover um negacionismo histórico; divulgando que “não houve golpe de Estado”, repetindo a cantilena de que “os governos militares foram necessários para afastar a ameaça comunista” – o perigo vermelho, como prefere o atual presidente da República, que não esconde sua simpatia pela ditadura, vocação para o autoritarismo e que tem como ídolo um torturador confesso. Se não bastasse, o atual Ministro da Defesa aparece com a afirmação de que “o movimento de 1964 é parte da trajetória histórica do Brasil. Assim devem ser compreendidos e celebrados os acontecimentos daquele 31 de março”.  

Comemorar o quê? Não há nada para ser comemorado. Ao contrário, todo repúdio à ditadura e fortalecimento da democracia. Basta desse tipo de manifestação, que não tem base documental e distorce os fatos.

Os grupos que atuam nas redes sociais difundindo “fake news” com saudades da ditadura militar, argumentam que não havia corrupção, que a economia era pujante, que os militares são competentes e que o Brasil precisa de uma intervenção militar na política. Nenhum desses argumentos estão corretos.

Quanto à competência dos militares para ocuparem cargos civis, qualquer semelhança entre a situação atual com os tempos da ditadura não é mera coincidência. O número de militares ocupando cargos civis dobrou, de 2016 até os dias de hoje, atingindo mais de 6000 militares, da reserva ou não, incluindo o medonho Ministério da Saúde. O país está sendo destroçado como nunca, ficando, mais uma vez, demonstrado, para quem não viveu a ditadura, qual é a competência dos militares para ocuparem cargos civis e escolherem os ocupantes dos ministérios que tratam da economia, finanças e planejamento. O ultraado Chicago’s Boy que, à frente do Ministério da Economia, trata dos interesses dos donos do cassino global e dos grandes empresários, é um bom exemplo.

Os Ministérios da Infraestrutura e da Minas e Energia são exemplos do entreguismo e da destruição do Estado brasileiro; assim como a FUNAI, o IBAMA e o ICMBIO foram minados por militares, que não demonstram nenhum compromisso com os povos indígenas e com as questões socioambientais. E o que dizer da criação de escolas civis-militares, verdadeiros locais de geração de “orangotangos amestrados”? E a intervenção na autonomia das universidades federais e aplicação de ináveis cortes de recursos para o seu funcionamento e para o desenvolvimento da pesquisa científica?

O resultado da pujante economia deixado pela ditadura foi uma hiperinflação (mais de 60%, ao mês, de inflação) e uma dívida externa estratosférica.  Em 1964, a dívida externa somava US$ 3,294 bilhões e, em 1985, fim dos governos militares, a dívida totalizava US$ 105,171 bilhões, 32 vezes maior.

Durante a ditadura, o modelo econômico privilegiava o tripé capital estrangeiro – capital nacional (empresários entreguistas e participantes do golpe) – dinheiro público. Nesse cenário, as empreiteiras se organizaram com a estatização das obras de infraestrutura, muitas delas questionáveis e superfaturadas. Pode-se afirmar que as empreiteiras “deitaram e rolaram” com recursos públicos e, ao final da ditadura, ao lado dos bancos estabeleceram uma grande influência junto aos tomadores de decisão do governo e ao bloco político que sustentava a ditadura empresarial-civil-militar. Para tanto, contaram com a inexistência de mecanismos de fiscalização, ou que se encontravam amordaçados e calados pela censura.

O poder dos empresários e banqueiros não se diluiu com o final da ditadura; ao contrário, muitos dos problemas, que o regime político atual enfrenta, é função do poder que alguns empresários e banqueiros conquistaram na ditadura e o mantiveram.

Quem definia e continua definindo o orçamento do país são os empreiteiros, que mantém a utilização de emendas parlamentares inscritas na lei orgânica do orçamento – uma forma sofisticada de corrupção, aperfeiçoada desde a época dos governos militares. Basta atentar para o embuste da aprovação do atual orçamento pelo Congresso Nacional.

Durante a ditadura, que “não tinha corrupção”, pelo menos dez casos emblemáticos do período ultraaram os filtros da censura, foram inspiradores da música, versão de 1985, Alvorada Voraz, do conjunto RPM e merecem ser lembrados: – contrabando na Polícia do Exército; governadores biônicos; o caso Sergio Paranhos Fleury; caso Lutfalla; mordomias com dinheiro público; os desmandos da Camargo Corrêa; General Electric; dossiê Baumgarten; caso Coroa-Brastel; Grupo Delfin. Sem citar o superfaturamento de obras como as hidrelétricas de Foz do Iguaçu e Tucuruí, a usina termonuclear de Angra dos Reis, a inacabada Transamazônica, a ponte Rio-Niterói, os projetos financiados pela Sudam, Sudene e Sudeco, dentre outros.

Definitivamente, militares ocupando cargos civis na estrutura de governo, não significa ausência de corrupção e competência istrativa, para atender os interesses da população brasileira

 E A PARTE EMPRESARIAL-CIVIL?

A parte empresarial-civil do bloco golpista atuando, de forma capciosa, divulgou, na segunda quinzena de março-21, documentos, onde tentam esconder suas reais intenções para que tudo mude para continuar como está e, assim possam continuar impondo suas posições e se locupletando.

Os banqueiros (sócios ou donos de banca no cassino global) e seus economistas de mercado (crupiês inescrupulosos) divulgaram o que denominaram de “Carta Aberta à Sociedade Referente a Medidas de Combate à Pandemia”, uma falsa mea-culpa, onde não há nenhuma menção contra a abissal desigualdade de concentração de riqueza e renda, muito menos qualquer sugestão do que fazer para minimizá-la. am longe da discussão do fim do Teto de Gastos e da revisão da redução dos recursos para a educação e saúde, defendido por boa parte dos signatários. Nada de novo.

Um ano depois dos primeiros casos de pandemia, sem realizarem quase nada de efetivo para corrigir os descaminhos e negacionismo do Presidente da República, 65 senadores am uma “Moção de Apelo à Comunidade Internacional”, onde reivindicam atenção emergencial do mundo pois “a sombra nefasta da morte paira sobre milhões de brasileiros, e que novas formas do vírus da Covid 19 se tornam uma assustadora ameaça global, apelamos à comunidade internacional”.

Em momento algum, se manifestam sobre a posição contrária do governo brasileiro à suspensão de patentes para vacinas, medicamentos e equipamentos de proteção individual para o tratamento da Covid-19, proposto pela Índia e reivindicado por 99 países, dentre os 164 que integram a OMC – Organização Mundial do Comércio. O Brasil se posicionou ao lado dos lobbies corporativos dos países ricos. Quais seriam as reais intenções políticas dos senadores que subscreveram a moção?

Em 26/03, alguns jornais divulgaram que “grandes nomes da indústria e do mercado financeiro articulam a viabilização de um nome para ser terceira via na disputa pela Presidência nas eleições 2022 contra o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula”

Ato contínuo, seis presidenciáveis, que aparentemente atendem os interesses dos grandes nomes da indústria e do mercado financeiro am e divulgaram o “Manifesto pela consciência democrática”,onde convidam “homens e mulheres desse país que apreciam a LIBERDADE (sic), sejam civis ou militares, independentemente de filiação partidária, cor, religião, gênero e origem, devem estar unidos pela defesa da CONSCIÊNCIA DEMOCRÁTICA (sic). Vamos defender o Brasil”

Como fica claro pelos documentos, as mesmas forças de 1964, que deram o golpe de 2016, estão organizando um novo golpe para 2022, em nome da liberdade e da consciência democrática. A sociedade brasileira precisa ser informada das “farsas e jogos” e alertada de que “em contraste com a oligarquia, monarquia, aristocracia, plutocracia, tirania e governo colonial, democracia significa os arranjos políticos por meio dos quais um povo governa a si mesmo” (1).

A igualdade política é a base da democracia, algo impensável com o bloco empresarial-civil-militar que está tramando a continuidade do golpe de 2016. Como nos lembra Wendy Brown (1), “somente a igualdade política assegura que a composição e o exercício do poder político sejam autorizados pelo todo e sejam responsabilidade do todo”. Sem igualdade política, “seja por exclusões ou privilégios políticos explícitos, pelas disparidades sociais ou econômicas extremas, pelo o desigual ou controlado ao conhecimento, ou pela manipulação do sistema eleitoral, o poder será inevitavelmente exercido por e para uma parte, em vez do todo”.

Precisamos defender sim o Brasil, inclusive do bloco golpista, com ou sem pandemia – basta de ditadura e da força do capital impondo suas normas para a população brasileira.

(1) Brown, W. Nas ruinas do neoliberalismo. São Paulo: Editora Politeia, 2019.

* José Domingues de Godoi Filho é professor da UFMT/Faculdade de Geociências.

Os artigos de opinião e colunas publicados não refletem necessariamente a opinião do portal Notícias Gerais.

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